Num
tempo não muito distante do nosso, a humanidade ficou tão caótica que os homens
fizeram um grande concurso. Eles queriam saber qual a profissão mais importante
da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande torre dentro de
um enorme estádio. Chamaram toda a imprensa mundial, realizarem a cobertura.
No
estádio, pessoas de todas as classes sociais se espremiam para ver a disputa de
perto. As regras eram as seguintes: cada profissão era representada por um
orador. O orador deveria subir num degrau da torre e fazer um discurso
convincente sobre os motivos pelos quais sua profissão era a mais importante da
sociedade moderna. A votação era mundial e pela Internet.
O
primeiro a subir na torre foi o representante dos psiquiatras. A plenos pulmões
proclamou: “As sociedades modernas se tornarão uma fábrica de estresse. A
depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto
pela existência. A indústria dos antidepressivos e dos tranquilizantes se
tornou a mais importante do mundo”. Em seguida, o orador fez uma pausa. O
público, pasmo, ouvia atentamente seus argumentos contundentes.
O
representante dos psiquiatras concluiu: “O normal é ter conflitos, e o anormal
é ser saudável. O que seria da humanidade sem os psiquiatras? Um albergue de
seres humanos sem qualidade de vida! Por vivermos numa sociedade doentia,
declaro que somos, juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais
importantes da sociedade!”
No
estádio reinou um silêncio. Muitos na plateia olharam para si mesmos e
perceberam que não eram alegres, estavam estressados, dormiam mal, acordavam
cansados, tinham uma mente agitada, dores de cabeça. Milhões de espectadores
ficaram com a voz embargada. Os psiquiatras pareciam imbatíveis.
Logo
após, o mediador bradou: “O espaço está aberto!” Quem subiu depois foi o
representante dos magistrados - os juízes de direito. “Observem os índices
de violência! Eles não param de aumentar. Sem os juízes e os promotores, a
sociedade se esfacela. Por isso, declaro, com o apoio dos promotores e do
aparelho policial, que representamos a classe mais importante da sociedade”.
Todos
engoliram em seco essas palavras. Elas perturbavam os ouvidos e queimavam na
alma. Mas pareciam incontestáveis. Outro momento de silêncio, agora mais
prolongado. Prontamente, o mediador, já suando frio, disse: “O espaço está
novamente aberto!”
Um
homem intrépido subiu num degrau mais alto da torre - o representante das
forças armadas. Com uma voz vibrante e sem delongas, ele discursou: “Os homens
desprezam o valor da vida. Eles se matam por muito pouco. As nações só se
respeitam pela economia e pelas armas que possuem. Quem quiser a paz tem de se
preparar para a guerra. Sem as forças armadas, não haveria segurança. Por isso,
declaro, quer se aceite ou não, que os homens das forças armadas não são apenas
a classe profissional mais importante, mas também a mais poderosa”. A alma dos
ouvintes gelou. Todos ficaram atônitos. Os argumentos dos três oradores eram
fortíssimos. A sociedade tinha se tornado um caos. As pessoas do mundo todo,
perplexas, não sabiam qual atitude tomar.
Ninguém
mais ousou subir na torre. Em quem votariam? Quando todos pensavam que a
disputa havia se encerrado, ouviu-se uma conversa no sopé da torre. De quem se
tratava? Eram os professores. Eles estavam encostados na torre dialogando com
um grupo de pais. Ninguém sabia o que estavam fazendo. A TV os focalizou e
projetou num telão. O mediador gritou para um deles subir na torre. Eles se
recusaram.
O
mediador os provocou: “Sempre há covardes numa disputa”. Houve risos no
estádio. Fizeram chacota dos professores e dos pais.
Quando
todos pensavam que eles eram frágeis, os professores, com o incentivo dos pais,
começaram a debater as ideias, permanecendo no mesmo lugar. Todos se faziam
representar.
Um
professore, olhando para o alto, disse para o representante dos psiquiatras:
“Nós não queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter
condições para educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e
felizes, para que eles não adoeçam e sejam tratados por vocês”.
O
representante dos psiquiatras recebeu um golpe na alma.
A
seguir, outro professor que estava no lado direito da torre olhou para o
representante dos magistrados e disse: “Jamais tivemos a pretensão de ser mais
importantes do que os juízes. Desejamos apenas ter condições para lapidar a
inteligência dos nossos jovens, fazendo-os amar a arte de pensar e aprender a
grandeza dos direitos e dos deveres humanos. Assim, esperamos que jamais se
sentem num banco dos réus”. O representante dos magistrados tremeu na torre.
Uma
professora aparentemente tímida encarou o representante das forças armadas e
falou: “Os professores nunca desejaram ser mais poderosos nem mais importantes
do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes no
coração das nossas crianças. Almejamos levá-las a se apaixonar pela vida e,
quando estiverem no controle da sociedade, jamais farão guerras, sejam guerras
físicas que retiram o sangue, sejam as comerciais que retiram o pão. Pois
cremos que os fracos usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver
seus conflitos. Cremos ainda que a vida é obra-prima de Deus, um espetáculo que
jamais deve ser interrompido pela violência humana”.
Os
pais deliraram de alegria com essas palavras. Mas o representante das forças
armadas quase caiu da torre.
Não
se ouvia um zumbido na plateia. O mundo ficou perplexo. As pessoas não
imaginavam que os simples professores que viviam no pequeno mundo das salas de
aula fossem tão sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento.
Vendo
ameaçado o êxito da disputa, o mediador do evento disse arrogantemente:
“Sonhadores! Vocês vivem fora da realidade!”. Um professor destemido bradou com
sensibilidade: “Se deixarmos de sonhar, morreremos!”
Sentindo-se
questionado, o organizador do evento pegou o microfone e foi mais longe na
intenção de ferir os professores: “Quem se importa com os professores na
atualidade? Comparem-se com outras profissões. Vocês não participam das mais
importantes reuniões políticas. A imprensa raramente os noticia. A sociedade
pouco se importa com a escola. Olhem para o salário que vocês recebem no final
do mês!” Uma professora fitou-o e disse-lhe com segurança: “Não trabalhamos
apenas pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do
mundo”.
Irado,
o líder do evento gritou: “Sua profissão será extinta nas sociedades modernas.
Os computadores os estão substituindo! Vocês são indignos de estar nesta
disputa”.
A
plateia, manipulada, mudou de lado. Condenaram os professores. Exaltaram a
educação virtual. Gritaram em coro: “Computadores! Computadores! Fim dos
professores!”. O estádio entrou em delírio repetindo esta frase. Sepultaram os
mestres. Os professores nunca haviam sido tão humilhados. Golpeados por essas
palavras resolveram abandonar a torre. Sabem o que aconteceu?
A
torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que estavam
segurando a torre. A cena foi chocante. Os oradores foram hospitalizados. Os
professores tomaram então outra atitude inimaginável: abandonaram, pela
primeira vez, as salas de aula.
Tentaram
substituí-los por computadores, dando uma máquina para cada aluno. Usaram as
melhores técnicas de multimídia. Sabem o que ocorreu?
A
sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A
dor e as lágrimas se expandiram. O cárcere da depressão, do medo e da ansiedade
atingiu grande parte da população. A violência e os crimes se multiplicaram. A
convivência humana, que já estava difícil, ficou intolerável. A espécie humana
gemeu de dor. Corria o risco de não sobreviver...
Estarrecidos,
todos entenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a
solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensara que os professores
fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e
inteligente entre nós. Descobriu-se que o pouco de luz que entrava na sociedade
vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam seus
filhos.
Diante
disso, os políticos, os representantes das classes profissionais e os
empresários fizeram uma reunião com os professores em cada cidade de cada
nação. Reconheceram que tinham cometido um crime contra a educação. Pediram
desculpas e rogaram para que eles não abandonassem seus filhos.
Em
seguida, fizeram uma grande promessa. Afirmaram que a metade do orçamento que
gastavam com armas, com o aparato policial e com a indústria dos
tranquilizantes e dos antidepressivos seria investida na educação. Prometeram
resgatar a dignidade dos professores, e dar condições para que cada criança da
Terra fosse nutrida com alimentos no seu corpo e com o conhecimento na sua
alma. Nenhuma delas ficaria mais sem escola.
Os
professores choraram. Ficaram comovidos com tal promessa. Há séculos eles
esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a
sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram patamares
insuportáveis.
Pela
primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz
começou a brilhar depois da longa tempestade... No final de dez anos os
resultados apareceram, e depois de vinte anos todos ficaram boquiabertos.
Os
jovens não desistiam mais da vida. Não havia mais suicídios. O uso de drogas
dissipou-se. Quase não se ouvia falar mais de transtornos psíquicos e de
violência. E a discriminação? O que é isso? Ninguém se lembrava mais do seu
significado. Os brancos abraçavam afetivamente os negros. As crianças judias
dormiam na casa das crianças palestinas. O medo se dissolveu, o terrorismo
desapareceu, o amor triunfou.
Os
presídios se tornaram museus. Os policiais se tornaram poetas. Os consultórios
de psiquiatria se esvaziaram. Os psiquiatras se tornaram escritores. Os juízes
se tornaram músicos. Os promotores se tornaram filósofos. E os generais?
Descobriram o perfume das flores, aprenderam a sujar suas mãos para
cultivá-las.
E
os jornais e as TVs do mundo? O que noticiavam o que vendiam? Deixaram de
vender mazelas e lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança...
Quando
esta história se tornará realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele
deixará de ser apenas um sonho.*
*A editora e o autor
permitem o uso do texto da grande torre para encenação teatral nas escolas, com
o objetivo de homenagear os pais e mestres, desde que citada a fonte. (N.do A.)
(CURY, Augusto. Pais
brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, pp. 159-167).